terça-feira, 22 de outubro de 2019

Análise do poema "Nevoeiro"

NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
                                 Valete, Fratres.
10-12-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 104.

Página 125
Leitura | Compreensão
1. “Portugal” (v. 4).
1.1. A caracterização do país é feita através do uso de vocabulário que reenvia para a opacidade e a turvação: “fulgor baço” (v. 3), “Brilho sem luz” (v. 5), “fogo-fátuo” (v. 6).
2. Portugal entristece porque não há estabilidade política (v. 1) e existe uma grande crise de valores sociais e morais (vv. 7-9 e 11-12).
3. Na segunda estrofe, a anáfora dos pronomes indefinidos “Ninguém” (vv. 7-8) e “Tudo” (vv. 11-12) e o paralelismo sintático intensificam a ambiência de indefinição que envolve Portugal. O desalento é geral e a dispersão (típica do nevoeiro) assume igualmente uma abrangência alargada, traduzida nas antíteses “tudo/nada” e “disperso/inteiro” (v. 12) e intensificada na metáfora que associa Portugal a nevoeiro (“Portugal […] és nevoeiro”, v.13). No v. 13, a apóstrofe, “Ó Portugal”, interpela a entidade central do poema.
4. O verso colocado entre parênteses constitui uma nota dissonante no tom pessimista do poema, traduzindo a esperança (“ânsia”) de quem deseja (“chora” [por]) o fim do “nevoeiro”.
5. Nos últimos dois versos, o sujeito poético interpela Portugal, associando-o ao nevoeiro
e anunciando uma nova “Hora”. Nesse sentido, embora o nevoeiro pudesse entender-se,
pela forma como o país é descrito ao longo do poema, como “símbolo do indeterminado”,
ele é também a marca de uma nova “fase da evolução”. Percebe-se que o poeta apela à
concretização de uma mudança e à criação de um novo tempo/império. Deste modo, o nevoeiro com que encerra a obra é, de facto, “prelúdio da manifestação” do Quinto Império, para o qual os portugueses devem estar preparados – tal é a intenção da saudação latina que incita à mudança e à renovação.

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