domingo, 13 de outubro de 2019

Análise dos poemas O Mostrengo e Mar Português

 O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»


«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,


«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»


Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fonte
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Página 120
Pré-leitura | Oralidade
Poema “O Mostrengo” e “Mar Português”
1. a. “imundo e grosso” (v. 13); b. A presença de um herói (coletivo) que concretiza
grandes feitos no confronto com uma força sobrenatural de poder aparentemente superior
ao seu. O carácter narrativo.
1.1. O “mostrengo” representa o conjunto de perigos associados ao mar e à aventura dos
descobrimentos, e o “homem do leme” simboliza a persistência e a coragem inabaláveis
de um povo. A temática de “Mar Português” aponta exatamente para o sofrimento
provocado pelos perigos do mar e para a valorização do herói.


MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fonte
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Leitura | Compreensão
1. A apóstrofe ao “mar” (com que, circularmente, se abre e se encerra a estrofe) introduz
a entidade a quem o sujeito poético recorda, de forma emotiva, todas as dificuldades e
todos os sacrifícios que os portugueses fizeram na sua conquista.
2. A repetição (em anáfora nos versos 4 e 5 e paralelística, nos versos 3-5) reforça a
quantidade e a diversidade (em termos de género e parentesco) daqueles que sofreram
na conquista do mar.
3. Na segunda sextilha, a partir da interrogação retórica, o sujeito poético desenvolve uma
reflexão sobre o valor dos sacrifícios anteriormente apresentados e a necessidade de
superar contratempos para realizar os sonhos.
4. A primeira afirmação destaca o valor da determinação em todas as conquistas; com
empenho, tudo merece “a pena”, ou seja, o sofrimento para atingir um fim. A segunda
afirmação alude ao cabo Bojador como metáfora dos objetivos a alcançar, que exigem,
frequentemente, “dor”; por isso, quem deseja conquistar algo tem de superar os
obstáculos que se lhe deparem. A última afirmação salienta a conjugação, no “mar”, do
“perigo” e do “abismo” com o “céu”, salientando a ideia de que tudo o que é
verdadeiramente custoso tem a sua faceta compensatória.
5. O adjetivo “Português” remete para a conquista e domínio dos mares pelos
portugueses, que, com o sofrimento e a sua coragem, fizeram com que existisse apenas
o “mar” conhecido.
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Página 121
Gramática
1.1. a. [“Um dos mais belos poemas de Mensagem”] “nele” (l. 1); [“sofrimento”] “que” (l. 3);
[“Portugal”] “se” (l. 5), “[-] formou” (l. 5); [“‘mar’”] “se” (l. 6); b. “Júbilo e dor” (l. 1)/“dor” (ll. 1 e
2), “júbilo” (ll. 2 e 3); c. “ganhou” (l. 4), “formou” (l. 5), “tornou-se” (l. 6); d. “os trabalhos, as
violências… foram tamanhos…” (ll. 7-8); “expressão de um profundo sentimento trágico” (l.
10); e. “Porém” (l. 12); “porque […] nada se consegue…” (ll. 12-13).
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Releitura(s)
1. A poesia de Mensagem é considerada épico-lírica, conjugando a matéria épica que
explora com um registo essencialmente fragmentário e marcado pela subjetividade
intimista da linguagem. Assim, apenas em alguns poemas o autor recorre a um estilo mais
marcadamente eufórico e épico, como no caso de “O Mostrengo”, ou remete para
realidades do domínio essencialmente físico e humano, como em “Mar Português”,
privilegiando, antes, a abordagem mítica de figuras e acontecimentos.
1.1. Cf. pp. 320-323. Aventuras: a matéria histórica dos relatos. Desventuras: a visão
antiépica da expansão, com a narração das “dores reais” associadas às viagens:
naufrágios, ataques de corsários, fúria dos elementos naturais...

(Manual Português EP, Porto Editora)

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