terça-feira, 22 de outubro de 2019

Análise do poema "Nevoeiro"

NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
                                 Valete, Fratres.
10-12-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 104.

Página 125
Leitura | Compreensão
1. “Portugal” (v. 4).
1.1. A caracterização do país é feita através do uso de vocabulário que reenvia para a opacidade e a turvação: “fulgor baço” (v. 3), “Brilho sem luz” (v. 5), “fogo-fátuo” (v. 6).
2. Portugal entristece porque não há estabilidade política (v. 1) e existe uma grande crise de valores sociais e morais (vv. 7-9 e 11-12).
3. Na segunda estrofe, a anáfora dos pronomes indefinidos “Ninguém” (vv. 7-8) e “Tudo” (vv. 11-12) e o paralelismo sintático intensificam a ambiência de indefinição que envolve Portugal. O desalento é geral e a dispersão (típica do nevoeiro) assume igualmente uma abrangência alargada, traduzida nas antíteses “tudo/nada” e “disperso/inteiro” (v. 12) e intensificada na metáfora que associa Portugal a nevoeiro (“Portugal […] és nevoeiro”, v.13). No v. 13, a apóstrofe, “Ó Portugal”, interpela a entidade central do poema.
4. O verso colocado entre parênteses constitui uma nota dissonante no tom pessimista do poema, traduzindo a esperança (“ânsia”) de quem deseja (“chora” [por]) o fim do “nevoeiro”.
5. Nos últimos dois versos, o sujeito poético interpela Portugal, associando-o ao nevoeiro
e anunciando uma nova “Hora”. Nesse sentido, embora o nevoeiro pudesse entender-se,
pela forma como o país é descrito ao longo do poema, como “símbolo do indeterminado”,
ele é também a marca de uma nova “fase da evolução”. Percebe-se que o poeta apela à
concretização de uma mudança e à criação de um novo tempo/império. Deste modo, o nevoeiro com que encerra a obra é, de facto, “prelúdio da manifestação” do Quinto Império, para o qual os portugueses devem estar preparados – tal é a intenção da saudação latina que incita à mudança e à renovação.

Análise do poema "Ilhas Afortunadas"

 AS ILHAS AFORTUNADAS

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutamos, cala,
Por ter havido escutar.
E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz, e há só o mar.
26-3-1934
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).- 85.

Página 124
1. A – 3; B – 1; C – 4; D – 2.
2. O adjetivo caracteriza as ilhas onde, de acordo com poema, “o Rei mora esperando”
(v. 13), ou seja, elas são “afortunadas”, lugares de sorte e esperança, por constituírem o
espaço onde D. Sebastião se prepara para regressar e resgatar a glória de Portugal.

 Leitura | Compreensão
As Ilhas Afortunadas fazem parte da tradição clássica. em autores gregos aparecem referidas como paraísos, local do repouso dos deuses e dos heróis míticos. Ptolomeu, soberano do antigo Egito, fala destas ilhas, tal como Homero que refere as "ilhas que ficavam além dos Pilares de Hércules". O historiador romano Plínio-o-Velho e Plutarco, no século I, identificaram as Ilhas Afortunadas com as Canárias, tal como faz Camões no canto V, estância 8
Em Mensagem, Fernando Pessoa fala das Ilhas Afortunadas como mito e símbolo, surgindo como local fora do tempo e do espaço onde os mitos do Quinto Império, do Encoberto, do Sebastianismo esperam para se concretizar. As Ilhas, cuja presença se capta no sono através de sinais auditivos e pelo som das ondas, surgem como lugar do não-tempo e do não-espaço, são "terras sem ter lugar", onde se encontra o Desejado que virá fundar o Quinto Império, "onde o Rei mora esperando".
Fonte

Análise do poema "Quinto Império"

   MENSAGEM: TERCEIRA PARTE - O ENCOBERTO

O QUINTO IMPÉRIO

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
 21-2-1933
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). -82

Página 122
Pré-leitura
1.1. Na primeira tira, o recurso a linguagem náutica remete para a ideia de fazer depender
uma ação do surgimento da oportunidade certa (fala de Dustin) e sugere a falta de
proatividade (fala do pai).
1.2. As situações destacam a falta de iniciativa, de persistência e de comprometimento.

Página 123
Leitura | Compreensão do poema Quinto Império (ver aqui uma explicação sobre Padre António Vieira e a utopia do Quinto Império do Mundo)

1. O verso remete para a infelicidade que, segundo o sujeito poético, caracteriza quem vive acomodado, sem qualquer “sonho” (v. 3), de acordo com a vivência humana descrita nas duas primeiras estrofes.
2. Os vv. 11-12 introduzem a referência à passagem do tempo e as três últimas quintilhas anunciam o advento de uma nova época, de um novo império – o Quinto Império (vv. 21- 23) ligado à “verdade” da morte de D. Sebastião (vv. 24-25).
3. Nas duas últimas estrofes, confrontam-se os tempos passado/presente e futuro. A antítese dos versos 19-20 insinua o surgimento do “dia claro” – o tempo futuro –, que se anuncia sob a égide espiritual dos portugueses, a partir da “noite”, metáfora do passado.
Sucedendo aos quatro anteriores, o Quinto Império deles diferirá pela sua natureza; será
o império da “verdade”, nascida com a morte de D. Sebastião.

Escrita
1. Ao “sonho” referido no poema “O Quinto Império” corresponde a “loucura” do sujeito
poético, em “D. Sebastião, Rei de Portugal”. Ambos remetem para a dimensão espiritual
promotora de ações significativas, que possam distinguir o Homem da mera “besta sadia, /
Cadáver adiado que procria” ou levá-lo a não viver apenas tendo “por vida a sepultura”.

Pós-leitura
1. Resposta pessoal. O poema aponta para a necessidade de ação, para a assunção do
descontentamento como fator fundamental para o avanço, por oposição à quietude feliz e
previsível; o poder terreno esvai-se com o tempo, pelo que o novo “império” espiritual será
construído pelo poder da alma humana e pela força divina, um império “que não existe no
espaço” e que se constitui como o “verdadeiro e supremo destino” de Portugal.

(Manual Português EP, Porto Editora)

domingo, 13 de outubro de 2019

Análise dos poemas O Mostrengo e Mar Português

 O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»


«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,


«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»


Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fonte
....
Página 120
Pré-leitura | Oralidade
Poema “O Mostrengo” e “Mar Português”
1. a. “imundo e grosso” (v. 13); b. A presença de um herói (coletivo) que concretiza
grandes feitos no confronto com uma força sobrenatural de poder aparentemente superior
ao seu. O carácter narrativo.
1.1. O “mostrengo” representa o conjunto de perigos associados ao mar e à aventura dos
descobrimentos, e o “homem do leme” simboliza a persistência e a coragem inabaláveis
de um povo. A temática de “Mar Português” aponta exatamente para o sofrimento
provocado pelos perigos do mar e para a valorização do herói.


MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fonte
...
Leitura | Compreensão
1. A apóstrofe ao “mar” (com que, circularmente, se abre e se encerra a estrofe) introduz
a entidade a quem o sujeito poético recorda, de forma emotiva, todas as dificuldades e
todos os sacrifícios que os portugueses fizeram na sua conquista.
2. A repetição (em anáfora nos versos 4 e 5 e paralelística, nos versos 3-5) reforça a
quantidade e a diversidade (em termos de género e parentesco) daqueles que sofreram
na conquista do mar.
3. Na segunda sextilha, a partir da interrogação retórica, o sujeito poético desenvolve uma
reflexão sobre o valor dos sacrifícios anteriormente apresentados e a necessidade de
superar contratempos para realizar os sonhos.
4. A primeira afirmação destaca o valor da determinação em todas as conquistas; com
empenho, tudo merece “a pena”, ou seja, o sofrimento para atingir um fim. A segunda
afirmação alude ao cabo Bojador como metáfora dos objetivos a alcançar, que exigem,
frequentemente, “dor”; por isso, quem deseja conquistar algo tem de superar os
obstáculos que se lhe deparem. A última afirmação salienta a conjugação, no “mar”, do
“perigo” e do “abismo” com o “céu”, salientando a ideia de que tudo o que é
verdadeiramente custoso tem a sua faceta compensatória.
5. O adjetivo “Português” remete para a conquista e domínio dos mares pelos
portugueses, que, com o sofrimento e a sua coragem, fizeram com que existisse apenas
o “mar” conhecido.
.....
Página 121
Gramática
1.1. a. [“Um dos mais belos poemas de Mensagem”] “nele” (l. 1); [“sofrimento”] “que” (l. 3);
[“Portugal”] “se” (l. 5), “[-] formou” (l. 5); [“‘mar’”] “se” (l. 6); b. “Júbilo e dor” (l. 1)/“dor” (ll. 1 e
2), “júbilo” (ll. 2 e 3); c. “ganhou” (l. 4), “formou” (l. 5), “tornou-se” (l. 6); d. “os trabalhos, as
violências… foram tamanhos…” (ll. 7-8); “expressão de um profundo sentimento trágico” (l.
10); e. “Porém” (l. 12); “porque […] nada se consegue…” (ll. 12-13).
....
Releitura(s)
1. A poesia de Mensagem é considerada épico-lírica, conjugando a matéria épica que
explora com um registo essencialmente fragmentário e marcado pela subjetividade
intimista da linguagem. Assim, apenas em alguns poemas o autor recorre a um estilo mais
marcadamente eufórico e épico, como no caso de “O Mostrengo”, ou remete para
realidades do domínio essencialmente físico e humano, como em “Mar Português”,
privilegiando, antes, a abordagem mítica de figuras e acontecimentos.
1.1. Cf. pp. 320-323. Aventuras: a matéria histórica dos relatos. Desventuras: a visão
antiépica da expansão, com a narração das “dores reais” associadas às viagens:
naufrágios, ataques de corsários, fúria dos elementos naturais...

(Manual Português EP, Porto Editora)

Análise do poema O Infante

 Mensagem - Segunda Parte - Mar Português

O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Fonte 
.....
Página 118
Pré-leitura
1.1. O Infante D. Henrique representa o sonho de renovação concretizado. A utilização da
sua imagem na campanha publicitária pretende dar importância e grandeza à iniciativa.
Com a tónica posta no empreendedorismo do Infante, promove-se o empreendedorismo
que se procura para a empresa.

Página 119
Leitura | Compreensão
Poema “O Infante” gravado e respetiva transcrição disponível nos Recursos do Projeto.
1. O Infante D. Henrique foi o impulsionador das descobertas marítimas portuguesas.
Nesse sentido, cabe-lhe o papel de protagonista primeiro da “Possessio Maris” (posse do
mar) anunciada na epígrafe da segunda parte.
2. O primeiro verso do poema, de natureza axiomática, apresenta a “obra” como
consequência das ações de Deus e do Homem. Os grandes feitos são revelações –
teofanias – de Deus através do homem. Os restantes versos exemplificam, com o caso
do Infante, a teoria enunciada no verso 1. Assim, o desejo de Deus foi o de que “a terra
fosse toda uma” e “Que o mar unisse, já não separasse” (vv. 2-3). Para isso, inspirou o
Infante, escolhendo-o para essa missão (“Sagrou-te”, v. 4). Ele correspondeu e foi
“desvendando a espuma” (v. 4), ou seja, explorando o mar; desse modo, a obra nasceu.
3. “Que o mar unisse, já não separasse” (v. 3), “até ao fim do mundo” (v. 6), “a terra
inteira” (v. 7).
4. O complexo verbal apresenta a ação como uma continuidade, como algo que não se
concretizou de uma só vez, mas sim de modo progressivo.
4.1. A gradação associada à atuação do Infante D. Henrique: começou por desvendar
“ilhas(s)” e “continente(s)”, chegando ao “fim do mundo”, desenhando, assim, os
contornos da “terra inteira”.
5. Nos dois últimos versos, em tom disfórico, o sujeito poético apela ao “Senhor” para
que, desfeito o império material conseguido através das navegações, contribua para a
verdadeira realização de Portugal – o império espiritual (Quinto Império).
....
Gramática
1. a. e e.
2.1. “Quem te sagrou” – oração subordinada substantiva relativa “criou-te português” –
oração subordinante.
2.2. Predicativo do complemento direto.
3. Verso 1 – Situação genérica; verso 11 – valor perfetivo.

(Manual Português EP, Porto Editora) 

Análise do poema D. Sebastião Rei de Portugal

 D. SEBASTIÃO
        REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Fonte
,,,
Página 116
Leitura | Compreensão
1. A – 2; B – 4; C – 1; D – 3.
2. Segundo o sujeito poético, a sua loucura é produto da sua ambição, do seu sonho de
“grandeza” que a “Sorte” (o destino) não dá sem que se empenhe algum esforço na sua
concretização.
3. A utilização da primeira pessoa denota a identificação do sujeito lírico com a
personagem histórica a quem o poema é dedicado. Assim, o discurso adquire maior
credibilidade e valoriza-se a dimensão do herói, a partir de cujo exemplo se abordam
valores humanos universais.
4.1. Marcas do discurso épico: matéria histórica protagonizada por um herói nobre (social
e moralmente). Marcas do discurso lírico: a utilização da primeira pessoa verbal, a
subjetividade na apresentação da realidade, mediada pela perceção do “eu”, e a forma
fragmentária.
...
Gramática
1. “minha certeza” – sujeito; “não coube em mim” – predicado; “em mim” – complemento
oblíquo.
...
Página 117
Oralidade
1.1. O Sebastianismo enquanto ideologia em que, ao longo do tempo, se inverteram as
proporcionalidades de história e mito. D. Sebastião foi perdendo relevo e concretude
histórica e ampliando a sua dimensão de figura mítica, simbolicamente associada ao
regresso ou chegada de salvadores, em épocas de crise.

Análise do poema D. João o Primeiro

 Mensagem: Primeira parte - Brasão

D. JOÃO O PRIMEIRO
O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.
Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender,
Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.
Fonte
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Página 114
Pré-leitura
1. D. João I, tendo chegado a ser rei sem o esperar e com a marca da resistência face aos
castelhanos, adquire a “exemplaridade” que caracteriza os heróis de Mensagem.
Leitura | Compreensão
1.1. A primeira quadra apresenta, através de afirmações de natureza axiomática, a
atuação do homem (herói) como decorrente do desejo divino. “Quando Deus faz” através
do “homem”, “a história é feita”. É essa conjugação do espírito celeste com o anseio dos
predestinados que leva aos grandes feitos e garante a imortalidade (o mito), pois a
matéria é perecível: “O mais é carne, cujo pó/A terra espreita.” (vv. 3-4).
2. O modificador realça a predestinação do herói que, desconhecendo as implicações
futuras da sua atuação, veio a iniciar uma nova época na História de Portugal e uma
nova geração que conduziu à expansão.
3. Com o uso da segunda pessoa, o sujeito poético dirige-se diretamente a D. João I, seu
interlocutor, estabelecendo com ele uma relação de proximidade e cumplicidade.
4. O poema é constituído por três quadras, nas quais os três primeiros versos são
octossilábicos e o último tetrassilábico. A rima é cruzada em todas as estrofes.
....
Página 115
Gramática
1.1. Apócope e palatalização.
1.2. Palavras divergentes.
1.3. Flamejar, flamejante, inflamar, inflamação, inflamável.
2.1. (C). 2.2. (C).
Releitura(s)
1.1. Cf. pp. 300-303. O cartoon, com o título expressivo “Revolução”, coloca frente a frente
as peças mais poderosas e os “peões” do xadrez. Do mesmo modo, Fernão Lopes relata
a revolução da “arraia-miúda”, do povo, insurgindo-se contra os nobres que defendiam a
união com Espanha.
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Fonte: Manual Português EP,  Porto Editora

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Análise do poema D. Dinis

 D. DINIS
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
Fonte
...
Página 113
Leitura | Compreensão
1. Vv. 1 e 2. Os versos destacam as duas facetas mais singulares do rei: a produção
literária e, através da metáfora do segundo verso, o carácter previdente, precursor e
visionário de D. Dinis, que terá preparado a expansão portuguesa com a lendária
plantação do pinhal de Leiria. Deste modo, o rei é apresentado como previdente e
visionário, sendo capaz de antecipar o futuro.

2. Para o retrato de D. Dinis contribuem significativamente as sensações auditivas. O rei-poeta é, para Fernando Pessoa, um ser de excelência, capaz de ouvir “um silêncio múrmuro”. Como figura de contornos prodigiosos, D. Dinis acede ao chamamento para
cumprir uma missão superior, respondendo, enquanto interlocutor privilegiado, à “fala” (v.8) dos pinhais, também designada por “rumor” (v. 4), “som” (v. 9) e “voz” (v. 10). D. Dinissente interiormente o apelo de uma atuação preparatória do futuro grandioso, ganhando o
estatuto de herói mítico em Mensagem.

3. a. Os pinhais são comparados a um alimento essencial (o trigo, ingrediente-base do pão). Assim, destaca-se o facto de a madeira por eles fornecida constituir a matéria- prima que permitiu saciar a “fome” de Império que norteou a expansão portuguesa. b. O som dos pinhais é referido como “marulho obscuro” (v. 8), intensificando a relação das
árvores com o elemento (mar) em que cumprirão a sua função especial. c. As antíteses ligadas ao som dos pinhais presentes nos versos 9 e 10 contribuem para intensificar a diferença entre o “presente”, ligado à “terra”, e a possibilidade de um “futuro” vivido no “mar”, graças à ação profética de D. Dinis.

Gramática
1.1. Sujeito.
1.2. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
2. a. “obscuro” (v. 8), “presente” (v. 9), “futuro” (v. 9).
b. “Arroio” (v. 6), “jovem e puro” (v. 6), “marulho obscuro” (v. 8).
c. “o som presente desse mar futuro” (v. 9), “a voz da terra ansiando pelo mar” (v. 10).

(Manual Português EP, Porto Editora)

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Mensagem: Poema Ulisses

 A poesia de Mensagem é considerada épico-lírica, conjugando a matéria épica que explora com um registo essencialmente fragmentário e marcado pela subjetividade intimista da linguagem. Assim, apenas em alguns poemas o autor recorre a um estilo mais marcadamente eufórico e épico, como no caso de “O Mostrengo”, ou remete para realidades do domínio essencialmente físico e humano, como em “Mar Português”, privilegiando, antes, a abordagem mítica de figuras e acontecimentos.

Ouvir a síntese da obra Mensagem



Estrutura da obra Mensagem

Análise do poema Ulisses: 
Ouve aqui
 

Mito – narrativa oral ou escrita, com personagens ou feitos fantasiosos, que tem por base um facto real.
  ULISSES
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Fonte
 ...
Análise do poema Ulisses
Leitura | Compreensão
1. Na segunda estrofe. O título do poema remete para a figura do herói clássico Ulisses,
de quem se fala nessa quintilha, sem nunca se nomear, enquanto “mito” fundador da
cidade de Lisboa.
1.1. Nas estrofes um e três, o sujeito poético define e explicita as funções do mito.
1.2. Com o exemplo de Ulisses e da sua importância na fundação lendária de Portugal,
na segunda estrofe, exemplificam-se as características do mito apresentadas nas
restantes.
2. Ulisses criou-nos, pois, segundo a lenda, fundou a cidade de Lisboa. Por outro lado, a
gesta de Ulisses ajuda a explicar a vocação marítima dos portugueses, ou seja, o herói,
com o seu exemplo, terá inspirado o povo português a explorar o mar.

(Manual Português EP, Porto Editora)  

Resumo

"Brasão" é o título da primeira parte do livro Mensagem, de Fernando Pessoa.
Compreensão do poema "Ulisses".
O título do poema remete para a figura do herói clássico Ulisses, de quem se fala, na segunda estrofe (quintilha), sem nunca se dizer o seu nome, enquanto “mito” fundador da cidade de Lisboa.
Nas estrofes um e três, o sujeito poético define e explicita as funções do mito. Com o exemplo de Ulisses e da sua importância na fundação lendária de Portugal, na segunda estrofe, exemplificam-se as características do mito apresentadas nas restantes.
Ulisses criou-nos, pois, segundo a lenda, fundou a cidade de Lisboa. Por outro lado, as façanhas de Ulisses ajudam a explicar a vocação marítima dos portugueses, ou seja, o herói, com o seu exemplo, terá inspirado o povo português a explorar o mar.
O que Fernando Pessoa parece querer dizer neste poema é que não importa se os heróis fundadores da nação portuguesa existiram ou não, o importante é que todos tenham vivido com a força do mito, que não existindo, é tudo. Desta maneira, todos os heróis se surgem nos poemas de Mensagem, são heróis mitificados, mesmo que tenham existência histórica, feita de sucessos e fracasso, nada disto importa.

Bilhete de Saída

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